06/04/2020
Atualizada: 06/04/2020 15:48:22


A epidemia do coronavírus ganhou o status de pandemia, isto é, disseminou-se por todos os cantos do mundo. Trata-se de um fenômeno de grandes proporções que afeta, direta ou indiretamente, os habitantes de todas as nações, com grande repercussão nas forças produtivas, nas relações de trabalho, no comércio e nas relações entre as pessoas. A economia foi seriamente atingida. Trata-se pois de algo em escala planetária. Sem dúvida, é um fenômeno complexo envolvendo impactos ao meio ambiente e coloca em questionamento o modelo econômico do, assim chamado, neoliberalismo.

As curvas típicas de evolução das epidemias exibem um dado padrão matemático. Elas evoluem rapidamente com o tempo, atingem um pico e depois decaem. Se a evolução temporal do número de pessoas afetadas subir muito rapidamente até atingir esse pico, então os sistemas de saúde terão necessariamente e simultaneamente que atender a uma demanda enorme, e assim, não tendo condições de atendê-la, entrarão em colapso. Devido a isso, faz-se necessário impor o isolamento das pessoas em suas respectivas casas a fim de diminuir drasticamente a taxa temporal de contaminação de pessoa para pessoa e, consequentemente, achatar a curva em direção ao pico, ajudando na redução da demanda dos atendimentos urgentes tanto para as vítimas do surto epidêmico, quanto para os que padecem de outras enfermidades que não deixam de existir em épocas epidêmicas.

O isolamento social portanto é algo necessário para lidar adequadamente com a pandemia.

Tudo isso, contudo, não é suficiente: as pessoas devem adquirir o hábito de lavar as mãos com água e sabão ou colocar constantemente álcool gel nas mãos, proteções com máscaras etc. Os vírus são frágeis e ao mesmo tempo terríveis. Com água e sabão conseguimos neutralizá-los pois as moléculas do sabão destroem a camada protetora desses vírus tornando-os inativos. No entanto, se eles atingirem as regiões respectivamente bucal, nasal e ocular, podem se reproduzir muito rapidamente, e no caso de atingirem os pulmões podem causar tosse seca, febre e respiração ofegante, que em casos mais graves pode levar as pessoas à óbito.

Diante de uma situação sobremaneira complexa, aventou-se em um dilema ou falso dilema que consistiria em se optar: ou 1) pela continuidade da vida econômica normal que as pessoas estavam acostumadas; ou 2) pelo isolamento social das pessoas em suas respectivas residências, a fim de que a evolução temporal da contaminação fosse diminuída e a curva matemática típica de uma epidemia fosse achatada.

Houve incertezas por parte de alguns governos que optaram inicialmente pela vida econômica normal, com o argumento de que a economia não poderia parar. Tais argumentos foram seriamente revistos quando se verificou que a adoção de não parar a vida econômica era desastrosa e favorecia, sobremodo, o crescimento da contaminação. Com o isolamento social verificou-se uma atenuação da curva epidêmica, mas a economia passou a desaquecer.

Perguntamos: esse dilema é verdadeiro ou falso?

Para responder a esta pergunta, é possível que a tradição filosófica nos ajude. Vejamos como. Vamos nos recordar do velho Kant quando disse que, no reino das finalidades, as coisas têm preço ou dignidade. Quando não é possível se estabelecer um preço para as coisas, então elas têm valor intrínseco e não preço. Assim é a vida: ela tem dignidade e qualquer tentativa de precificá-la atenta contra o conceito de dignidade kantiana.

A economia e o mercado tem preço. Eles somente poderiam adquirir dignidade se fossem subsidiários para favorecer a vida e não para substituí-la, ou pior ainda, situarem-se como prioritários com relação à própria vida.

Se pressupormos a ética kantiana, então chegaremos a uma consequência natural: a vida é mais importante e a economia é menos importante que a vida. A economia é importante também, mas esta última somente adquire importância, enquanto valor a ser considerado, se ela estiver em função da dignidade da vida e nunca em contrário, e também jamais como sua substituta.

Logo, o dilema entre economia e vida é falso. A vida é um valor maior e a economia embora seja algo dotado de um valor considerável, definitivamente também constitui em valor menor que a vida.

Vida e economia podem ser conciliáveis, mas nunca no contexto do modelo neoliberal que atribui ao mercado e ao preço a virtude suprema, não raro, em detrimento da vida das pessoas.

A quarentena emerge como uma necessidade de combate à epidemia do coronavírus. Não se trata de um dilema de mútua exclusão entre atividade econômica por um lado, e preservar vidas por outro. Trata-se de qual a melhor forma de economia que possa preservar vidas, ainda que em detrimento das forças do mercado. Trata-se de uma solução em vista do que, no momento, seria o justo, o sensato e o digno.

Outra lição que podemos extrair de tudo isso é a da importância do Estado para prover meios, a fim de que os mais pobres e desassistidos possam minimamente enfrentar as agruras mais severas, pelo menos enquanto durar o surto epidêmico.

Justamente nesta hora, os mais privilegiados defensores do modelo neoliberal são precisamente aqueles que apelam para a ajuda do Estado para atender a seus próprios interesses comezinhos.

Fonte: Jenner Barretto Bastos Filho - Prof. do Instituto de Física da Ufal

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