27/04/2020
Atualizada: 28/04/2020 16:07:38


No dia 24 de abril de 2020, em pleno curso da trágica epidemia do coronavírus, nós brasileiros fomos abalados com mais dois eventos, um no final da manhã e outro no final da tarde, ambos correlacionados no tempo e exibindo relações de causalidade entre si. O primeiro foi o pronunciamento às 11h do descontente ministro da justiça, que a partir de então tornava-se ex-ministro, incomodado com a exoneração do diretor geral da Polícia Federal, feita pelo presidente da República. O segundo evento foi em torno das 17h em que o presidente falou, acompanhado de sonolentos e taciturnos figurantes, e se constituiu, em suma, em uma réplica aos argumentos do orador da manhã. 

Desde então, nas imprensas escrita, falada e televisionada, bem como nas redes sociais, muito se comentou sobre os argumentos de ambos e sobre os supostos e/ou reais crimes de responsabilidade cometidos pelos mesmos. Um segmento da imprensa nefasta e escandalosamente parcial tenta lavar os cérebros de seus telespectadores como se fosse possível dirimir, especial e muito particularmente para o caso, sobre quem esteja com a razão. Certamente, a razão, e me refiro à boa e sensata razão, não está com nenhum desses dois personagens e igualmente também não está com a emissora lavadora de cérebros. É óbvio, e não terei meias palavras para asseverar, que ambas os personagens são nocivos à vida social sadia de nosso país e o mesmo se aplica à emissora implicitamente referida.

Um dos personagens se elegeu com um passado histórico de estupefacientes e escandalosas declarações como a de apologia a um torturador, a vociferação em prol da matança de trinta mil, a recomendação de metralhar a "'petralhada" do Acre, a de estuprar desde que a mulher "merecesse" etc. Some-se a isso declarações ofensivas a quilombolas, aos negros, aos nordestinos e por aí vai; a lista é longa, escandalosa e intolerável. Tudo isso sem contar com o seu passado político terrivelmente medíocre, entre outras coisas ainda mais graves. 

O outro personagem aceitou, senão mesmo negociou, para dizer o mínimo, ser ministro de alguém que proferia, e ainda profere, barbaridades do gênero. O que dizer de alguém que aceita trabalhar com tal personagem? Seria amor ao Brasil ou carreirismo puro e simples? Largar uma carreira de 22 anos de magistratura e trocá-la por um efêmero ministério cujo presidente poderia ad nutum demiti-lo, longe de significar apenas trocar o certo pelo duvidoso, significa definitivamente fazer um cálculo pragmático de jogo político, estranhamente acompanhado de uma reivindicação de uma "pensãozinha" para não deixar desamparada a sua família em caso de alguma eventualidade, o que segundo ouvi, não existe qualquer prescrição em lei para tal. Trata-se de personagem também não recomendável por várias outras razões. No julgamento de Lula era evidente que tendia escandalosamente para a acusação e desrespeitava, de maneira contumaz, os advogados de defesa de Lula. As revelações do The Intercept Brasil somente fizeram corroborar o que todos nós já sabíamos de longa data: o conluio com os procuradores, amplamente divulgado e fartamente documentado nas redes sociais, em que pese dolosa e tendenciosamente omitido pela emissora lavadora de cérebros.

Agora vou me referir à parte esquecida do pronunciamento do ex-ministro, tenha ela sido dolosamente ou não omitida em seu queixume ao reunir no auditório do Ministério da Justiça, prosélitos e apoiadores que de antemão já sabiam que iriam lhe aplaudir no final da sessão. Antes de ir para o Ministério da Justiça o personagem em tela, além de ser juiz federal, era também professor na Universidade Federal do Paraná. O seu CV-Lattes atualizado no dia 24 de março de 2020 (ainda bem que ele atualizou recentemente, exatamente há um mês de seu showzinho) declara que "lecionou entre 2007 e 2016 como Professor Adjunto de Direito Processual Penal da Universidade Federal do Paraná -UFPR" e além disso, "é Professor contratado de graduação e de pós-graduação do Unicuritiba- Centro Universitário Curitiba". Podemos inferir, a partir de sua própria declaração, que ele acumulou a atividade de juiz federal com a de professor (o que é permitido por lei), mas também é evidente que deu muito mais importância ao seu emprego de juiz federal do que ao de professor em universidade federal, suponho que exercida em tempo parcial. Infiro também do cabeçalho de seu currículo que ele não está desempregado pois é professor do Centro Universitário Curitiba. No entanto, tal como diz a sabedoria popular que 'pretensão e água benta cada qual pega para si a quantidade que quiser', acredito que ele, com sua ambição e seu carreirismo desmedidos, pense em voos mais altos: talvez a própria Presidência da República que espero, para a felicidade do povo brasileiro, jamais venha a alcançar. 

Quero ressaltar que esse conjunto de episódios revela, embora implicitamente, uma desvalorização dos professores das universidades públicas, federais e estaduais, o que corrobora com os despautérios aos borbotões emitidos pelo atual ministro da educação, ex colega do demissionário ministro da justiça. O primeiro dedicado, quase que exclusivamente, a depreciar professores e pesquisadores das universidades públicas, sem que o segundo, sendo esse, um ex-professor de universidade federal, minimamente lhe contrapusesse ao menos uma única palavra sequer. Aliás, ele se omitiu com relação a todas as barbaridades cometidas pelo nefasto presidente do qual foi capacho durante os 15 meses e 24 dias em que esteve no Ministério da Justiça; todos esses personagens, enormemente deletérios ministros de Estado de um governo de um presidente desqualificado, seja intelectual, seja psicológica, seja ainda no aspecto do mínimo decoro exigido para o cargo. 

No segundo turno da eleição presidencial de 2018 disputavam dois candidatos: por um lado, um professor universitário de universidade pública, um colega meu como professor de universidade pública, com formação em direito, economia e filosofia e que havia sido ministro da educação e prefeito de São Paulo; por outro, um candidato que além da perversidade de suas declarações e do péssimo desempenho como parlamentar se mostrava, de antemão, evidentemente despreparado para o cargo, para se dizer apenas o mínimo. Não havia qualquer dúvida para mim: estou entre os 47 milhões que sufragaram Fernando Haddad e graças a Deus não compus o universo dos 57 milhões que sufragaram o atual presidente; teria enorme vergonha se tivesse cometido tamanho desatino. 

Todos esses episódios convergem para mostrar o quanto a educação e a cultura são desprezadas no nosso país e este artigo tem como objetivo precípuo ressaltar um ponto que ficou pouco percebido no curso desses últimos e vergonhosos episódios, pois a atenção estava mais voltada para outros aspectos, decerto também muito relevantes. Há algum tempo, o presidente teve o cinismo de dizer que Paulo Freire era um energúmeno. O ex-ministro da justiça, um ex-professor de universidade federal, alguma vez se pronunciou para rebater este despautério? Peço aos meus eventuais leitores que reflitam sobre isso também sob esse viés que reputo como muito importante e esta, enfim, é a minha mensagem.



Fonte: Jenner Barretto Bastos Filho - Professor Titular do Instituto de Física da Universidade Federal de Alagoas

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