01/03/2021
Atualizada: 01/03/2021 16:20:27
Sem alardes e de maneira monocrática, o governo federal publicou um decreto no início do mês de fevereiro que altera a previdência dos servidores públicos federais. O decreto nº 10.620/21 traz prejuízos ao Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), pois transfere a competência da concessão e a manutenção de aposentadorias e pensões de trabalhadoras e trabalhadores das autarquias e fundações públicas federais para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
O decreto propõe dividir os servidores do executivo federal, que têm um único regime próprio e uma única gestão, no Ministério da Economia, em duas instituições gestoras diferentes, como se não fossem de um mesmo regime próprio.
As servidoras e os servidores da Administração direta permanecem sob responsabilidade do órgão central do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal (Sipec), ligado à Secretaria de Gestão e Desempenho de Pessoal da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, como é hoje. Já os servidores de autarquias e fundações públicas passariam a ficar sob a responsabilidade do INSS, que não tem competência legal para gerir o regime de Previdência dos servidores públicos.
A Associação dos Docentes da Universidade Federal de Alagoas (Adufal) destaca que a permissão da centralização pelo INSS não significa que os servidores estão sujeitos às regras do RGPS (dos trabalhadores da iniciativa privada).
Eles permanecem fazendo parte do RPPS da União, regidos pelo art. 40 da Constituição Federal, mantendo os mesmos direitos. Contudo, é evidente o prejuízo decorrente da aglutinação da gestão dos benefícios no INSS, cuja estrutura já não atende satisfatoriamente os trabalhadores submetidos ao regime geral.
Segundo parecer técnico da Assessoria Jurídica Nacional do ANDES-SN, o decreto, além de inconstitucional, unifica os regimes o que poderá trazer ainda mais prejuízos para as servidoras e servidores. "A inconstitucionalidade decorre da previsão, desde a edição da Emenda Constitucional n. 41/2003, de expressa vedação à existência de mais de um regime próprio de previdência social para os servidores titulares de cargos efetivos, e de mais de uma unidade gestora do respectivo regime em cada ente estatal", explica a nota da AJN.
De acordo com Edivane de Jesus, da coordenação do Grupo de Trabalho de Seguridade Social e Assuntos de Aposentadoria (GTSSA) do ANDES-SN, o decreto é uma manobra política do governo federal que trará consequências nefastas para as trabalhadoras e os trabalhadores do serviço público federal. “O decreto gera uma duplicidade de entidade gestora do regime próprio de previdência do ente federativo [União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios]. Ao contrário do discurso do governo de que seria apenas uma questão administrativa, o decreto é mais um passo para o avanço da contrarreforma da Previdência Social e mais um movimento que se tenta fazer há décadas, que é a unificação dos regimes próprios previdência e do regime geral de previdência”, critica a diretora do Sindicato Nacional.
Para Elizabeth Barbosa, também da coordenação do GTSSA, o decreto é um passo para a privatização da previdência das servidoras e dos servidores, porque desmembra abruptamente o RPPS, na tentativa de regulamentar os artigos da reforma da Previdência de 2019. “Esse decreto coaduna com a Emenda Constitucional (EC) 103, aprovada em 2019, que já sugeria que o INSS fizesse toda a gestão das e dos aposentados e pensionistas, tanto do setor privado quando do setor público. É um decreto extremamente perigoso porque retira o movimento que fazemos dentro da nossa instituição, do nosso departamento de pessoal, de solicitar as nossas aposentadorias, jogando todo o funcionalismo público federal para um órgão único”, critica.
Edivane alerta, também, para o princípio da paridade, o qual garante que as servidoras e os servidores públicos efetivos, que ingressaram antes de 2003, ao se aposentarem recebam os mesmos reajustes, percentuais, gratificações que a e o servidor da ativa. “Com as e os aposentados deixando a folha de pagamento do órgão, da entidade de origem, como ficaria a sua situação? O governo afirma que não muda nada, mas ao que tudo indica será uma grande armadilha e esse decreto seria mais um nó nessa trama de destruição dos direitos previdenciários”, ressalta.
INSS
O decreto 10.620 poderá ainda prejudicar não apenas o funcionalismo público, mas a população de baixa renda que sofre na fila de espera para ter acesso aos benefícios. A Assessoria Jurídica Nacional do ANDES-SN alerta para a incapacidade do INSS em absorver uma considerável massa de novas e novos “clientes”, sendo notória a fragilidade de sua estrutura e os problemas que enfrenta para gerir sua demanda atual. “Hoje já existe um demora considerável para concessão de benefícios o que pode se ampliar com agregação de mais pedidos de aposentadorias, sem falar das concessões que dependem de perícias”, aponta a AJN.
Edivane de Jesus corrobora com a análise do jurídico. Para ela, o INSS sofre com o desmonte e a alta demanda de processos para avaliação de benefícios. “O INSS que seria a autarquia a assumir a gestão do regime público já está mergulhado no mais absoluto caos com solicitação de serviços e requerimento de benefícios que aguardam por meses e anos para serem analisados. Então, existe uma preocupação de que essa autarquia não consiga dar conta de mais demanda, que é a aposentadoria massiva das e dos servidores públicos nos últimos anos, e consiga gerir de uma maneira eficiente”, avalia.
Confira a análise preliminar da AJN sobre o Decreto n. 10.620