12/03/2021
Atualizada: 12/03/2021 14:40:17
Não precisa ser uma oração subordinada nem mesmo precisa ser uma frase simples e de significado aparentemente consensual. Cada palavra, mesmo cada palavra por si própria, comporta um leque enorme de significados atribuíveis por seus/suas escritores/escritoras, hermeneutas e leitores/leitoras em contextos culturais diversos e por pessoas oriundas de formações múltiplas, sejam elas especializadas ou não.
Exatamente por esta razão, o debate e o diálogo são necessários. E para procurar um consenso mínimo que enseje a possibilidade de diálogo fértil, então é necessário que ele seja dialógico, isto é, que locutores/locutoras e ouvintes troquem alternativamente de papéis de tal maneira que o diálogo não comporte nem pessoas permanentemente caladas, por opção ou omissão, nem pessoas obsessivamente falantes que mirem tão somente apreciar a beleza da própria voz.
Alguns exemplos podem ilustrar o argumento.
Seja o primeiro deles. Escolhamos aqui alguns dos possíveis significados para as palavras, respectivamente, extremista e radical. Ambas as palavras podem ser concebidas tanto como substantivos quanto como adjetivos. Para muitas pessoas elas significam a mesma coisa, mas se formos mais além e explorarmos melhor o que podem significar, constataremos a possibilidade defensável de significarem coisas inteiramente diversas e até mesmo, díspares. Vejamos como.
Alguém radical, como a própria etimologia do termo sugere, significa aquele/aquela que vai à raiz das coisas. Quem vai à raiz das coisas e se vai seriamente, enxergará a complexidade do real e isso o/a obrigará, por dever intelectual e político, a ponderar o que enxerga da maneira a mais meticulosa possível. Por outro lado, alguém extremista, justamente por não ir à raiz das coisas, assumirá uma posição pouco ou nada refletida e exatamente por esta razão adotará, ou poderá adotar, uma posição extrema; a pessoa radical é moderada, entendido aí a moderação como a capacidade de ponderar e discernir, pois foi à raiz das coisas, e desta maneira costuma sempre agir; a pessoa que é extremista, muito pelo contrário, justamente pela sua incapacidade, pelo menos atual, de ir à raiz das coisas, então somente pode ser extremista. Em outras palavras, a pessoa que é extremista, por sua insuficiência reflexiva, não poderá ser radical.
Vejamos um segundo exemplo. Ouvimos falar de neoliberalismo, enquanto substantivo e neoliberal como adjetivo. Algumas poucas pessoas, na verdade pouquíssimas, são as que se beneficiam desta denotação que nada tem nem de imparcial nem muito menos de isenta. Na verdade, para a grande maioria das pessoas no mundo, o neoliberalismo, definitivamente, não é nem novo nem tampouco liberal; não é novo, posto que, de fato é muito velho e carcomido o que não justificaria a partícula neo; para tal, basta que nos recordemos que em nome da liberdade dos mercados muitos navios negreiros foram afundados sem que esses supostos liberais se importassem nem um pouco com as liberdades daqueles que estavam dentro dessas embarcações. Hoje, a situação não parece ser muito diversa, pelo menos neste aspecto estrito.
- Por que desejam diminuir o papel do Estado deixando crianças, idosos e pessoas que precisam de cuidados de saúde ao léu?
- Isso favoreceria a liberdade de quem, cara pálida?
Não seria legítimo aproximar conceitualmente um neoliberalismo obsessivo em excluir pessoas de um neofascismo, senão a pleno título, mas pelo menos, de um neofascismo envergonhado de si próprio?
As palavras não devem correr à solta independentemente de uma base teórica que lhes proveja sustentação pois isso é o caminho mais tenebroso e direto para fake news, mentiras, lavagens cerebrais e pós-verdades que são capazes de justificar quaisquer narrativas por mais absurdas que sejam.
Se mentirosos/mentirosas contumazes enchem a boca para propagarem a mensagem do Evangelho de Jesus Cristo Segundo S. João de que “conhecereis a verdade e ela lhe libertará” e outros chamam de Democrata o partido sucedâneo do antigo PFL o qual, por sua vez, foi o sucedâneo da Arena, partido da ditadura militar, então os termos democracia e liberdade passam por muitos significados e ressignificados. Precisamos ficam atentos/atentas a todas essas ressignificações, pois elas nada tem nem de neutras nem de inocentes.
Os exemplos são vários. Para algumas pessoas genuinamente progressistas, o partido que se chama de Progressista é manifestamente ultrarreacionário. Outro que se chama Novo, constitui mais um exemplo de algo que nada tem de Novo e até mesmo é imbuído de concepções que são, por sinal, muito velhas. Exemplo emblemático dessa característica foi a votação da PEC para o acolhimento do FUNDEB (Fundo Nacional da Educação Básica) de uma forma mais permanente no texto constitucional. Na ocasião, os deputados do Novo tentaram, felizmente sem sucesso, levar para outros setores uma parcela de uma verba total já comprometida, o que seria um desvio patente de sua finalidade precípua.
Em suma, é necessário que estejamos atentos/atentas à ressignificação arbitrária das palavras. O bom uso das palavras exige um rigor e este é necessário para o discurso transparente.