06/03/2024
Atualizada: 07/03/2024 10:38:01
A luta por igualdade de gênero e salarial; o combate ao racismo, ao machismo e à misoginia; o fim das violências contra as mulheres e a defesa dos direitos reprodutivos são algumas das reivindicações evidenciadas pelo Dia Internacional da Mulher, celebrado em 8 de março. Estas são pautas que estão presentes em vários espaços, inclusive, dentro do ambiente acadêmico.
À vista disso, a data se faz ainda mais importante para reforçar a contribuição fundamental das mulheres para a evolução da sociedade como um todo. Em relação à educação, elas assumem, cada vez mais, o protagonismo de educar, pesquisar e produzir novos conhecimentos, técnicas e tecnologias que, quando entregues à comunidade, tornam-se indispensáveis para o desenvolvimento social.
Um levantamento realizado pela Associação dos Docentes da Universidade Federal de Alagoas (Adufal) revela que, na Ufal, as mulheres representam 46,5% do corpo docente. São 803 professoras de um total de 1.725 docentes ativos. Os dados são de 2022, do Censo de Educação Superior.
Desde a sua criação, a defesa dos direitos das mulheres, em especial dos direitos das professoras, é uma das principais bandeiras da Adufal. Com esse compromisso, a entidade tem buscado continuamente promover e incentivar a equidade e a paridade de gênero, dentro e fora dos muros do sindicato.
A diretoria da Adufal, por exemplo, é reflexo e representação da sua base docente, uma vez que mais da metade dos seus associados são professoras. Em números, do total de 2.011 sócios da entidade, 1.007 são mulheres. Em relação à gestão do sindicato, 65% da diretoria é formada por mulheres; são 9 diretoras e 5 diretores.
A diretora de Política Sindical da entidade, Sandra Lira, assegura que a Adufal tem lutado para ser, cada vez mais, um espaço de organização das mulheres e de combate ao machismo dentro das instituições universitárias.
“Para nós, é fundamental destacar e debater com as mulheres docentes sobre quais são as suas demandas, para que nós possamos ter a Adufal como esse espaço de acolhimento e organização de defesa dos direitos das mulheres”, afirmou a professora.
Apesar de, atualmente, as mulheres serem um grupo expressivo em quantidade na universidade, o cenário nem sempre foi esse. Elas travaram inúmeras lutas ao longo da história para ocupar os espaços acadêmicos e desempenhar suas funções como professoras e pesquisadoras com plenitude, dignidade e respeito.
“É um espaço conquistado, não é um espaço dado.” - Elaine Pimentel, professora e diretora da Faculdade de Direito de Alagoas (FDA), sobre o espaço que as mulheres ocupam na universidade.
Doutora em Sociologia e professora da Faculdade de Direito de Alagoas da Ufal (FDA/Ufal), Elaine Pimentel, 45, relembra o caminho que a mulher precisou traçar para ter acesso à educação, destacando especialmente a luta feminina para alcançar o ensino superior.
“Historicamente, as mulheres não podiam sequer estudar fora de casa. A educação feminina era dentro de suas casas. Somente após anos de luta é que as mulheres passaram a ter a possibilidade de estudar. Então, começaram a ocupar os cursos superiores e destacar-se. Hoje, vivemos o legado dessas mulheres que quebraram essas barreiras”, destacou Elaine.
A doutora em Educação e diretora de Divulgação e Imprensa da Adufal, Lenilda Austrilino, 69, é uma dessas mulheres descritas pela professora Elaine.
No ano de 1974, Lenilda foi a única estudante, entre homens e mulheres, a ingressar na primeira turma do curso de Licenciatura em Física em Alagoas, na Ufal. Dois anos depois, em 1976, concluía a graduação sozinha, se tornando, naquele momento, pioneira para a história do curso, além de um grande exemplo para inúmeras mulheres.
“Fui pioneira nesse sentido porque aquela era uma época muito particular, em que as pessoas eram muito conservadoras, principalmente em relação às mulheres dentro da academia”, revelou a docente aposentada, que também é sócia fundadora da Adufal.
As mulheres somente conquistaram o direito de estudar além do ensino fundamental em 1827. O acesso ao ensino superior de educação veio ainda mais tarde, no ano de 1879, por meio do Decreto de Lei nº 7.247/1879. Ainda assim, a matrícula na universidade somente poderia ser feita com permissão de seus pais ou maridos.
Mesmo que o direito de estudar tenha sido oficializado para todas, na prática isso não aconteceu. As mulheres negras, por exemplo, são vítimas de, pelo menos, duas violências, a de cor e a de gênero. Tais aspectos acrescidos à desigualdade social, que afeta muito mais a população negra, impediram que as mulheres negras tivessem as condições necessárias para acessar a educação, e ainda mais o ensino superior.
De acordo com a meteorologista e professora aposentada Ângela Brito, 77, há algumas décadas, as mulheres negras que entravam na universidade não podiam contar com políticas institucionais que discutissem gênero, raça e etnia, o que acabava afetando as oportunidades e a permanência das mulheres negras no ensino superior.
“A mulher branca tem bem mais oportunidades que a mulher negra. Ela consegue começar a estudar antes e também entra muito mais cedo no mercado. As oportunidades para as mulheres negras passaram a surgir após a Conferência de Durban, quando foram implantadas as políticas de ações afirmativas para o enfrentamento ao racismo”, explicou a docente, que foi diretora da Adufal por duas gestões.
A Conferência de Durban foi um marco fundamental para a luta antirracista no Brasil e no mundo. Realizada em Durban, cidade da África do Sul, o encontro foi promovido pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2001.
Uma das principais e mais importantes conquistas pós-conferência foi a criação da lei nº 12.711, conhecida como Lei de Cotas, que garantiu a reserva de 50% das vagas das instituições federais de ensino superior para estudantes de escolas públicas. Dentro desse público existem as regras que destinam as vagas aos alunos pretos, pardos e indígenas.
“Foi a partir desse evento que a mulher negra teve mais oportunidades de entrar para a universidade. Inclusive, aqui na Ufal, nós tínhamos um item que era muito discutido, que era um percentual maior na entrada das mulheres negras na universidade”, destacou a professora Ângela, relembrando o impacto da Conferência de Durban inclusive para as mulheres negras no ensino superior público de Alagoas.
A partir do momento em que as mulheres começaram a ingressar na universidade, iniciou-se a luta feminina pela conquista de espaço, respeito e dignidade na educação. A professora Lenilda Austrilino relata sua vivência como docente e mãe, e como a ausência de apoio e compreensão sobre as responsabilidades femininas impactaram sua rotina.
“Há 40 anos, a pressão sobre a mulher docente e mãe era enorme. Minha filha nasceu na mesma época em que eu fazia mestrado, em 1985. Tive que aprender a escrever com as duas mãos, porque amamentava com uma e escrevia com a outra, afinal eu tinha que entregar as minhas listas de exercício no dia e o professor não queria saber se eu estava amamentando e não podia acompanhar meus colegas da mesma forma”, compartilhou.
A licença-maternidade, importante conquista para as mulheres, foi criada em 1943 com o surgimento da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mas direcionada a profissionais. Para as estudantes, o direito surgiu em 1975, com a lei n° 6.202.
Apesar de ser um direito reconhecido, por muitos anos a licença-maternidade foi rechaçada e depreciada, e as docentes que também estudavam, a exemplo da professora Lenilda, ainda sofriam com receio de perder oportunidades se decidissem reivindicar o direito.
“Naquela época eu tinha o prazo de três anos para terminar o mestrado e a universidade em que eu fazia, bem como os professores, não via com bons olhos os alunos que pediam prorrogação de prazo. Então, para não ser vista com maus olhos, eu tive que me adequar”, relembrou a diretora da Adufal.
A experiência da professora Ângela Brito em relação a viver a maternidade no ensino superior, no entanto, foi bem diferente. A docente conta que engravidou enquanto cursava Meteorologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e que recebeu muito apoio dos seus professores para que não desistisse da sua graduação, além de não ter enfrentado nenhum tipo de entrave institucional relacionado à maternidade.
“O problema que eu tive em relação à gravidez foi de saúde, não foi problema institucional. Na verdade, eu recebi muito apoio. Eu passava mal quase sempre nas aulas e não tinha muita disposição. Então os professores se preocupavam e sempre me davam carona porque o curso era noturno. Eles achavam perfeitamente normal, diziam que eu precisava terminar meu curso. Tinha toda essa gentileza para com a aluna”, contou a meteorologista.
No entanto, para que possa haver o mesmo tipo de assistência a todas as mães dentro da universidade, é preciso aprimorar os mecanismos de acolhimento a essas mulheres. É o que afirmou a professora Elaine Pimentel.
“Acredito que existe uma carência de normas que acolham as docentes mães. Muitas enquanto amamentam ainda precisam ir para o seu espaço de pesquisa, para o seu laboratório, então é preciso que a instituição ajude, porque a gente não pode deixar para bondade de um professor ou uma professora, mas sim pelo acolhimento institucional”, declarou.
Na produção do conhecimento, Elaine Pimentel, que é professora da FDA/Ufal há mais de 15 anos, destaca a desigualdade em relação à valorização das pesquisadoras. De acordo com a pesquisadora, um exemplo disso, no Direito, está no fato de que a maior parte da literatura jurídica consumida é de autores homens.
“As grandes editoras publicam muito mais os manuais de direito que são escritos por homens. Há essa dificuldade de ter a sua produção aceita e respeitada e de que o mercado editorial aceite e propague. Esse é um entrave muito grande para que a produção feminina seja reconhecida para além, também, de uma produção que fala somente de mulheres”, ressaltou a pesquisadora.
Segundo a secretária-geral da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Claudia Linhares, no Brasil, há um problema de percepção da sociedade sobre a ciência somado, também, a um processo de inviabilização do trabalho de pesquisa feminina decorrido do machismo. Juntos, esses problemas implicam na desvalorização das pesquisadoras e seus trabalhos.
Para Linhares, a principal ferramenta que pode romper essa estrutura que desfavorece as mulheres pesquisadoras é o investimento na educação, inclusive ainda nas escolas, acerca do conhecimento sobre o que é a ciência brasileira, como ela funciona, o seu impacto e a importância para o desenvolvimento do país.
“É preciso, primeiro, melhorar a educação de uma forma como um todo para que a gente possa comunicar ciência e as pessoas realmente entenderem o que é e como funciona e, segundo, é fazer um trabalho dentro das nossas universidades, dando dignidade e valorizando o trabalho da cientista mulher”, afirmou a diretora da SBPC.
Apesar de estar aposentada, a professora Lenilda Austrilino segue presente na universidade, agora como docente visitante da Faculdade de Medicina (Famed) da Ufal, orientando alunos da pós-graduação, além de coordenar o projeto de extensão Caravana da Ciência e Tecnologia. Com uma trajetória de quase 50 anos na Ufal, quando questionada sobre o que é necessário para avançar rumo à garantia de apoio e valorização das mulheres na universidade, ela diz:
“Para as mulheres dentro da academia, eu acho que a gente precisa de mais compreensão. É preciso reconhecer que nós temos particularidades, como o fato de a gente ser mãe, até o fato da gente menstruar. É importante mantermos essa discussão e apresentarmos alternativas para criar uma sociedade que valorize e apoie mulheres, assim criamos também uma sociedade mais igualitária”, refletiu a diretora da Adufal.
Sobre o mesmo questionamento, a professora Elaine Pimentel considera que é preciso desenvolver, dentro da universidade, uma cultura de acolhimento à mulher docente que está grávida ou com filhos a cuidar.
“São muito comuns os casos de mulheres com filhos pequenos que deixam o mestrado no meio do caminho, que não conseguem escrever a dissertação no prazo e acabam sendo desligadas. Então a gente precisa aprimorar isso e não só através de lei, mas construir a cultura dentro do ambiente universitário para que essas mulheres possam trabalhar e se desenvolver com plenitude”, reiterou.
A professora Ângela Brito, que atualmente faz parte de um grupo ativista de saúde da população negra, traz como resposta ao questionamento a mensagem da Marcha das Mulheres Negras de 2015, que teve como lema a frase: "contra o racismo, a violência e pelo bem viver".
“Queremos alcançar e vivenciar essa política do bem viver. Sempre pensando que, enquanto o meu vizinho não estiver bem, eu não posso estar bem. Desejo que nós possamos, um dia, alcançar esse patamar e poder lidar com as pessoas livremente, sem violação de direitos. É isso que eu almejo e eu luto para acontecer”, assegurou a docente.
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