12/05/2017
Atualizada: 12/05/2017 00:00:00

Foto da antiga Salgema s/a

Neste artigo pretendemos mostrar que as atuais iniciativas dos governos estaduais: renegociar a dívida pública junto a União, como determina o Projeto de Lei Complementar - PLP 257, que prevê um regime de recuperação fiscal dos estados, a criação de leis estaduais que estabelecem um teto de gastos sociais, de acordo com os princípios da Lei 55, visam acelerar o processo de privatização das estatais estaduais e a introdução de Organizações Sociais (OS) na prestação de serviços públicos. Tudo isso faz parte das exigências do Sistema da dívida e do seu processo de dominação financeira sobre o fundo público. Tal processo resultou das várias etapas da crise capitalista nos países centrais e do aprofundamento da crise fiscal e financeira do Estado e da politica de juros altos no inicio de 1980 |1|, que permitiram que a dívida pública se tornasse uma crescente fonte de rendimento como também da apropriação do patrimônio estatal, através das privatizações como forma de materializar parte da riqueza fictícia. Todas estas ações visam dar marco legal a uma nova etapa de priorização do rentismo, enquanto eliminam direitos, aprofundam os ataques aos serviços públicos e aos direitos sociais.

OS ANTECEDENTES DO SISTEMA DA DÍVIDA

Esta busca do capital por outras fontes de rendimentos com base na dívida pública não é fenômeno recente. Bukharin (1974) no inicio do século XX, visando estudar a diferença metodológica da escola austríaca, especialmente Bohn - Bawerk, elaborou o livro a economia política do rentista, finalizado em 1914. Neste livro ele identificou uma camada de rentista que tendia a crescer constantemente, pois a cada ano a burguesia fazia aparecer um volume maior de capital excedente. Como a emissão de ações nas bolsas absorvia apenas uma pequena parte destes recursos, os títulos públicos acabaram atraindo uma grande parte deste excedente |2| :

  • “A burguesia se transforma numa massa de rentista que mantêm com as grandes instituições financeiras as mesmas relações que com o Estado, de quem compra os bônus do Tesouro. Com isso a burguesia tende a deslocar seus recursos para o Estado, mesmo oferecendo rendimentos menores que as ações, mas com menor risco. Em consequência esta camada tenderá a emprestar ao Estado quanto maior a segurança oferecida por este” (BUKHARIN, 1974, p 31).

Esta busca por títulos públicos pelo capital excedente descrito por Bukharin (1974) tornou-se cada vez mais intensa dentro do desenvolvimento do capitalismo e da agudização de suas contradições. Para entendermos a atualidade deste processo necessitamos fazer a reconstituição das etapas que antecederam a este fenômeno, bem como relacionarmos as etapas da crise capitalista nos países centrais e suas implicações para as economia subdesenvolvidas, em especial para as finanças públicas e por sua vez para as politicas sociais. É bom lembrar que a redução da inflação acaba, também, por permitir um maior ganho real aos possuidores de títulos públicos.

Os empréstimos externos, que marcaram a gênese do capitalismo monopolista no final do século XIX, se repetiram a partir dos anos 1970, do século XX, apesar de novas determinantes, com a expansão do euromercado de moedas e dos empréstimos das instituições multilaterais: BIRD e FMI. A crise da dívida externa com a moratória mexicana e argentina e a crise de crédito dos anos 80, marcaram a crise do sistema de empréstimos externos. Nos anos 90 tivemos novamente um novo ciclo desta expansão da liquidez mundial, onde novamente os estados subdesenvolvidos criaram as condições para atração deste volume de capital de curto prazo, a partir da elevação da taxa de juros para se obter reservas necessárias para bancar a âncora cambial.

Na metade dos anos 1970 tivemos o início de uma nova crise capitalista, tendo como eixo a queda da taxa de lucro e a crise fiscal e financeira do Estado capitalista. Esta queda da taxa de lucro foi acompanhada por um impasse na reprodução do capital nos países centrais, em especial nos Estados Unidos. Além disso tivemos a crise do Padrão Ouro – dólar, com o fim da convertibilidade dólar, a crescente inflação estadunidense que aprofundou a crise do dólar. Em agosto de 1979, Paul Volcker assumiu a presidência do FED, quando a inflação estava em 9% ao ano. Para combater a inflação, a desvalorização do dólar e rolar a dívida pública dos EUA, o FED – Banco central dos EUA elevou brutalmente sua taxa básica de 5% para 20%.

Tal fato replicou sobre a taxa de juros do Euromercado de moedas, e sua taxa flutuante e acabou criando um mecanismo de repasse dos impactos para os agentes privados e públicos que recorreram a este Sistema Monetário Internacional privado. Todavia, esta política de juros altos acabou refletindo, também, na política fiscal do Estado de Alagoas, exigindo um ajuste fiscal para pagar um serviço da dívida cada vez maior. Desta forma, o Estado de Alagoas, juntamente com as demais unidades federativas e demais países da América Latina e do ex-bloco soviético foram atingidos por um mecanismo de dominação financeira que gerava uma relação de dependência direta da política monetária estadunidense. Estava lançado a pedra fundamental para esta unidade federativa, marcada pelo subdesenvolvimento e pelo trato oligárquico do poder político, ser parte do sistema da dívida que se afirmava mundialmente, já nos anos 1980, marcados pelo neoliberalismo na Inglaterra e EUA.

CRONOLOGIA DE EVENTOS RELACIONADOS A DIVIDA PÚBLICA EM ALAGOAS

 

AnoFatoImplicações econômicas
1971 Fim da convertibilidade do dólar Início da crise do dólar
1982 Moratória mexicana e Argentina Inicio da crise da divida e da crise de crédito
1979 Inicio da política de juros altos do FED e do neoliberalismo com eleição de Margareth Tchatcher Tornar os títulos rentáveis e rolar a divida dos EUA retomando a hegemonia do dólar
1987 Moratória Brasileira Início da reestruturação da dívida externa
1989 Plano Brady Renegociação das dividas externas e rolagem por 30 anos com o aval dos EUA
1991 Recessão nos EUA e queda da Ex-URSS Expansão da âncora cambial na América latina e da introdução do neoliberalismo
1993 Lei 8727/93 Conversão das dívidas externas dos Estados e municípios em dívida pública interna
1994 Introdução da âncora cambial no brasil Inicio da política econômica dos rentistas, da desindustrialização e politica neoliberal
1995 PROER - Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional Programa de salvação de bancos privados tendo como base o dinheiro público
1996 PROES - Programa de Incentivo à Redução do Setor Público Estadual na Atividade Bancária Programa de salvação de bancos estatais estaduais.
1997 Crise fiscal, rebelião popular e queda de Suruagy Surgimento da Lei 9496/97 e a federalização das dívidas estaduais
1997 Letras financeiras do Tesouro estadual Repasse aos usineiros e empreiteiras invertendo os propósitos dos precatórios judiciais
2000 LRF – Lei de Responsabilidade Fiscal

Criada com a alegação de contribuir para o controle dos gatos públicos, mas que acabou servindo para cortar o gastos sociais.

ALAGOAS CAPTURADA PELO EXCEDENTE DE CAPITAIS VINDO DO EUROMERCADO

Segundo Eichengreen (2000) as crises cambiais e o ciclo de endividamento dos países subdesenvolvidos estão associados as etapas da crises capitalistas nos países centrais e sua busca de novos mercados nos países subdesenvolvidos. Isto fica mais claro quando resgatamos o processo de endividamento externo de alagoas desde os anos 1970, durante o Regime Militar. Este processo teve inicio em 05 de abril de 1976, durante o governo Divaldo Suruagy, quando o Estado contraiu empréstimo de US$ 40.011.072,00 |3|, para um programa rodoviário. Este momento é marcado por sinais de desaquecimento do chamado milagre brasileiro e por sinais de crise no Euromercado e por uma tentativa de legitimação da oligarquias regionais que davam apoio ao Regime Militar.

Em 23 de outubro de 1979, o governador Guilherme Palmeira tomou emprestado US$ 78.390.349,80, para financiar a expansão da Salgema S.A |4| e do Complexo Químico de Alagoas. Neste momento se imaginava que Alagoas poderia dar início a uma etapa de industrialização baseada na química fina. Se dizia que a produção de cloro soda seria uma das mais importantes atividades econômicas do mundo, tendo como principais consumidores os seguintes setores da economia: Papel e Celulose, Química e Petroquímica, Alumínio, Construção Civil, Sabões e Detergentes, Têxtil, Metalúrgica, Tratamento de Água, etc. A construção da fábrica de cloro - soda, em Maceió iniciou em 1974. Já a produção comercial só teve início em 1977 e a unidade de dicloretano, em 1979. A unidade produtora de eteno passou a funcionar em meados de 1982 |5|.

Este processo foi colocado como um meio para a superação do subdesenvolvimento via industrialização. O general Geisel, na tentativa de manter a atividade econômica tendo como foco uma etapa de industrialização baseada na química fina, impulsionou empréstimos externos |6| num momento que o cenário internacional estava marcado pela elevação da taxa de juros básica.

Em 15 de outubro de 1980, ainda no Governo Guilherme Palmeira, Alagoas fez outro empréstimo junto ao Banque Nationale de Paris, destinado a indústria química, no valor de US$ 55.258.009,71. Estes dois empréstimos somados representaram um total de US$ 133.656.358,00 que convertidos para a moeda atual representariam R$ 427 milhões. Todavia, estes empréstimos ocorrem quando a taxa de juro nos EUA teve uma expressiva elevação, representando um aumento do custo de captação para o Estado de Alagoas. Em seguida a Salgema foi privatizada e transformada na atual Brasken, pertencente a Oderbrecht.

Em 11 de novembro de 1981, ainda no governo Guilherme Palmeiras |7| alagoas faz mais um empréstimo de US$ 50.090.869,09, para programa de desenvolvimento do Estado. Até este momento os empréstimos tinham contrapartidas, mesmo que questionáveis do ponto de ponto social. Entretanto, em 02 de dezembro de 1985, no retorno de Divaldo Suruagy ao governo, ocorreu outro empréstimo de US$ 23.274.098,00, tendo como objetivo renegociar a dívida externa de Alagoas. Neste momento se revelou o caráter financeiro da dívida, em parte derivado dos efeitos da elevação da taxa de juros nos EUA, tendo em vista o desembolso crescente do Tesouro alagoano. Este fato é impulsionado pela permanência dos juros altos no Banco Central dos EUA, bem como pela crise de crédito vinda da moratória mexicana e argentina de 1982.

Em 30 de junho de 1989, durante o Governo Fernando Collor, Alagoas tomou emprestado US$ 367.198.387,00 com destinação genérica de conclusão de obra pública. Em 19 de abril de 1994, no Governo Geraldo Bulhões, o Estado contraiu empréstimo no valor de US$ 58.375.128,00 para manutenção de rodovia. O último empréstimo, segundo tabela gerada pelo Banco Central durante a CPI da dívida, o Estado de Alagoas tomou emprestado, durante o terceiro mandato de Divaldo Suruagy do PMDB, no valor de US$ 232.161.121,00, em 1996 tendo como finalidade a regularização das contas públicas.

Alagoas voltou a se endividar em seguida no governo Teotônio Vilela, do PSDB de 2007 a 2015, quando contraiu vários empréstimos. O primeiro foi junto ao BIRD - Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento de R$ 435 milhões. O segundo foi junto BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento para o Programa de Consolidação Fiscal para o Desenvolvimento do Estado de Alagoas (Proconfins) no valor de US$ 250 milhões ou R$ 800 milhões. Mas a frente tomou emprestado junto Caixa Econômica Federal – CEF R$ 470 milhões. Em seguida contraiu empréstimo junto Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES de 249 milhões. Junto ao Banco do Nordeste do Brasil – BNB tomou emprestado R$ 5 milhões. Por último tivemos mais dois empréstimos que totalizaram RS 317 milhões |8|. O governo Teotônio Vilela acabou sendo responsável pelo maior volume de empréstimo realizado por Alagoas ou R$ 2,276 bilhões.

O ex- Governador Divaldo Suruagy esteve presente em três gestões e representou bem as contradições deste tipo de endividamento. Ele abriu a fase do endividamento em 1976 quando os empréstimos tinham contrapartidas. Em seguida inaugurou o empréstimo sem contrapartida em 1985 para renegociar a dívida externa de Alagoas e em seguida retornou ao governo e fez em 1996 novo empréstimo visando regularizar as conta públicas. O efeito da politica de juros altos dos EUA nas contas públicas de Alagoas foi grande e acabou tendo uma grande contribuição para o colapso fiscal de 1997 e a queda de Suruagy. Não foi apenas o endividamento externo e os juros flutuantes mas também a gestão temerária do Estado feita pelos agentes privados responsáveis por este caos.


A LEI 9497/97, A FEDERALIZAÇÃO DA DÍVIDA E A NOVA ETAPA DE EXTORSÃO

A introdução do Plano Real e sua política de juros altos acabaram por acelerar o endividamento dos Estados. Além disso, a crise mexicana em 1995, a crise asiática de 1997 e crise russa de 1998 revelaram a fragilidade do modelo estabilização baseado na âncora cambial e a acentuado risco de fuga de capitais. A contenção do risco de fuga de capitais se deu pela elevação da taxa de juros, que acabava por impulsionar a dívida pública federal. Internamente, em 1997 vivenciamos em Alagoas e na maioria dos estados uma crise fiscal e financeira, que em Alagoas provocou atraso de pagamento de oito meses para os servidores públicos.

Em resposta a este caos os servidores públicos, incluindo os policiais civis e militares realizaram grande manifestação em frente da Assembleia Legislativa que culminou com a renúncia do Governador Divaldo Suruagy |9|. Mesmo o empréstimo externo feito para regularizar novamente as contas públicas não foi suficiente para conter a eclosão do estrangulamento fiscal de Alagoas. A resposta a este impasse veio com a Lei 9496/97 pela federalização e rolagem desta dívida por trinta anos. Aqui temos o novo acelerador de dívida especialmente pela cobrança de juros de 7,5% mais IGP-DI |10|.

Para explicar esta expansão desde 1998 temos que entender seus três elementos motores principais. O primeiro elemento vem da taxa de juros cobrada |11|, mais o IGP-DI. O segundo vem da pratica do anatocismo ou juros sobre juros entre entes estatais. E por último, pela constante política de renúncia fiscal praticada no Estado, somado aos efeitos da lei Kandir e a desoneração das exportações, que acabam por comprometer a capacidade de arrecadação estadual. O pagamento do serviço desta dívida tem sacrificado progressivamente os gastos sociais através de sucessivos ajustes fiscais, que levam a cortes no financiamento dos serviços públicos essenciais. Este fato fica claro quando analisamos o ano de 2015. Neste momento o Estado gastou R$ 850 milhões com esta destinação, valor superior aos investimentos em Saúde Pública. Segundo a Gerência da Dívida publica de Alagoas, uma dívida que em 1998 era de R$ 2.381.592.379,00, quando foi federalizada e estava 2014 em R$ 9.735.620.041, mesmo já tendo pago R$ 7.253.206.378,00. Veja a tabela abaixo:

Dívida Pública e Serviço da dívida de Alagoas de 1988-2014 (em R$ 1)

 

AnoSaldo da Dívida (31/12)Serviço da Dívida
1998 2.381.592.379 -
1999 2.875.911.369 142.295.402
2000 3.051.735.878 143.778.270
2001 3.377.685.338 181.944.188
2002 4.307.440.917 397.747.908
2003 4.679.682.643 228.405.030
2004 5.138.596.487 278.508.128
2005 5.325.078.845 434.489.573
2006 6.075.601.157 499.253.457
2007 5.928.443.937 430.289.711
2008 6.707.942.605 499.253.457
2009 6.852.399.563 650.184.416
2010 7.540.733.354 573.607.010
2011 7.846.417.024 685.127.530
2012 8.194.598.593 769.090.192
2013 9.053.082.112 656.031.817
2014 9.735.620.041 683.200.289
Total   7.253.206.378,00

Fonte: Gerência da Dívida Pública de Alagoas em 25 de maio de 2015

Estes cortes nos gastos sociais atingem de imediato os servidores estaduais na remuneração, na carreira e nas condições trabalho. Ao mesmo tempo, atinge diretamente a maioria da população alagoana que necessita de serviços públicos, comprometendo o atendimento e colocando em risco a saúde dos trabalhadores, já que 90% da população de Alagoas dependem exclusivamente do SUS. Neste quadro várias reflexões são necessárias. A questão fundamental é como esta divida foi constituída e quem foram os beneficiários deste processo de endividamento?

Segundo análise preliminar feita pelo núcleo alagoano pela auditoria cidadã, a partir de documentos obtidos junto a Secretaria da Fazenda estadual, sabemos que uma grande parte da dívida alagoana foi originada no processo de comprometimento do PRODUBAN. Tal fato acabou por levar a sua liquidação. Naquele momento, para cobrir as dívidas contraídas pelos usineiros o Estado de Alagoas tomou recurso junto ao Tesouro Nacional. Desta forma acabou servindo para anistiar os tomadores de empréstimos feitos por este setor.

O CONFLITO DE INTERESSES NA GESTÃO DO ESTADO

Vale lembrar que os empresários deste setor eram também majoritariamente os governos e os parlamentares das várias etapas deste processo. Portanto, o setor privado sempre esteve na gestão dos vários governos. No momento em que se tenta coloca o setor privado como exemplo de gestão para o Hospital Geral do Estado – HGE, é bom lembrar que os atuais governantes são a expressão exata do setor privado, pois representam em especial os usineiros na gestão do espaço público. O que fazem hoje é a repetição do que fizeram no passado: gerir o público tendo como finalidade os interesses próprios. Agora temos na proposta de privatização do serviço público como forma de obter mais espaço de valorização do capital do setor dominante, que não tem mais nas usinas seu foco principal de investimento.

Outra conclusão que temos é a pratica do anatocismo, ou juros sobre juros, que tem sido um fator determinante na aceleração desta dívida. Nesta direção o STF - Supremo Tribunal Federal, em caráter liminar, já havia aprovado para onze estados a retirada dos efeitos do anatocismo, tendo como referência a sumula 121 |12|. Tal decisão se mantida poderia significar a eliminação do saldo devedor da maioria dos estados. Desta forma os recursos até o momento destinados ao pagamento do serviço da dívida poderiam ser alocados para os gastos sociais, implicando em abertura de concursos, reajuste dos salários dos servidores, na garantia das condições de trabalho e na qualidade dos serviços públicos. Além disso, para o financiamento de serviços públicos de qualidade poderiam ser usados os R$ 534 milhões em 2016, que o Estado de Alagoas ofereceu de renúncia fiscal ao setor privado.

No entanto, a direção definida pelos representantes do setor privado, que estão na gestão do Estado é de negar a possibilidade da auditoria da dívida, como consta na constituição de 1988 e aceitar uma renegociação que manterá uma dívida gigantesca e ao mesmo tempo manter a subserviência junto a União por mais 20 anos. Ou seja, depois de quase 20 anos após a federalização da dívida do Estado, estamos caminhando para a renovação por mais duas décadas do mesmo instrumento empobrecimento social e enriquecimento dos banqueiros. Tudo isso é possível pois os mesmos grupos políticos que estiveram no poder desde o Regime Militar, quando esta dívida foi impulsionada, continuam de formada metamorfoseada na gestão do Estado. Desta forma definem os rumos da intervenção do Estado refletindo as demanda deste setor. Assim, temos um conflito de interesse entre os agentes privados que comandam o Estado e as demandas da maioria da população que sempre fica a margem da ação deste Estado.

Seja na fase da ditadura militar, como do período de democracia formal, as oligarquias regionais sempre estiveram conectadas com os interesses da oligarquia financeira internacional. Tudo isso se reproduziu mesmo quando tivemos no governo o Partido dos Trabalhadores. Estes grupos econômicos, em Alagoas, mesmo não tendo mais o mesmo dinamismo no setor original, se especializaram na disputa do poder político e no momento atual estão revesando no cargo de governador, deputados e senadores. Curiosamente, o discurso que adotam no momento é que o Estado deve ter como referência a gestão privada diretamente com a proposta de privatização da CEAL, da CASAL, do canal do sertão, do CEPA e indiretamente através da expansão das OS seja no HGE ou dos presídios.

A MANUTENÇÃO DO SUBDESENVOLVIMENTO E A SUPEREXPLORAÇÃO

A atividade econômica deste Estado baseada no setor sucroalcooleiro, na monocultura, no latifúndio e na superexploração da força de trabalho, acabou gerando um quadro social bastante dramático. Segundo o IBGE existem 1.025.556 pessoas de 10 anos ou mais anos sem rendimento mensal, de uma população total de Alagoas era de 3.120.922 (2010). A população que recebe até um salário mínimo de R$ 937,00, compreende 995.755 hab. Os que ganham de 1 a 2 salários ou entre R$ 937,00 e R$ 1.874,00 chegam a 303.759. De 2 a 3 salários mínimos ou entre R$ 1.874,00 e R$ 2.811,00 temos 77.617. De 3 a 5 salários mínimos ou entre R$ 2.811,00 a R$ 4.685,00 encontramos 64.876 habitantes. De 5 a 10 salários mínimos ou de R$ 4.685,00 a R$ 9.370,00 temos 54.063 habitantes. O seguimento que recebe a maior renda mensal atinge 18.217 habitantes ou de 10 a 20 salários mínimos ou entre R$ 9.370,00 a R$ 18.740,00. Com isso verifica-se que os indicadores de pauperização atingiram 2.325.070 de alagoanos que ganham até dois salários mínimos |13|.

Se consideramos o valor do Salário Mínimo Necessário de janeiro de 2017 de R$ 3.811,29, conforme estimativa do DIEESE (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos) seria 4,07 vezes o salário em vigor de R$ 937,00. Tal valor do SMN reflete o que consta na constituição federal no artigo 7 parágrafo 4 que afirma que “o salário mínimo nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo”.

Segundo o Dieese, todos aqueles que ganham abaixo deste valor estariam dentro da linha pobreza cheia. Esta seria uma medida para se avaliar a remuneração da força de trabalho em condições próximas do seu valor. Por outro lado, todos os que ganharem abaixo deste valor estariam vivenciando a superexploração da força de trabalho, conforme descrita por Ruy Mauro Marini |14|.

Todavia, quando usamos o SMN do Dieese constatamos que aproximadamente 72.280 alagoanos estão acima da faixa da superexploração da força de trabalho. A industrialização como base na química fina foi colocada como meio para a superação da pobreza de alagoas vinda do seu passado agroexportador. Todavia, os dados apresentados revelam um aprofundamento do empobrecimento social.

Portanto, a aprovação do PLP 257 |15|, que terá sérias implicações sobre as três esferas do serviços públicos tende a aprofundar ainda mais este quadro social dramático, já que aprofundará o desmonte dos serviços públicos. Tal inciativa tenta sincronizar o ataque a todas as esferas do serviço público que poderá extinguir os servidores públicos como forma de se assegurar a continuidade do pagamento do serviço da dívida de Alagoas. Dívida esta que teve seu nascedouro durante o Regime Militar, se expandindo com o Plano Real e com o processo de federalização das dívida estaduais. Esta federalização ocorrida em 1998, conforme a Lei 9496/97, significou a conversão em dívida pública federal prorrogada por 30 anos. Uma dívida que era R 2,3 bilhões em 1999 e chegou a 9,7 bilhões em 2014, mesmo já tendo pago R$ 7.3 bilhões. Com isso o Estado de Alagoas já pagou três vezes a dívida renegociada em 1998 e deve quase quatro vezes.

Considerações finais

O empobrecimento social em alagoas tem várias motivações: a primeira deriva do modelo de desenvolvimento de alagoas, sempre baseado no latifúndio e na monocultura gerando baixos salários e precárias condições de trabalho e expulsão dos camponeses da terra. A segunda vem do caráter predatório da gestão do Estado tendo como centro os grupos privados e o favorecimento do fundo público para a expansão deste setor e por sua vez dos seguidos desmontes das políticas sociais. A terceira fonte vem da crescente renúncia fiscal praticada, que em 2015 foi de R$ 477 milhões, chegando a R$ 534 milhões em 2016 e atingindo a R$ 567 milhões em 2017. Além disso temos o efeito da Lei Kandir que desonera as exportações e contribui para redução da Receita do Estado. Por outro lado, a sonegação também tem o papel grande na redução da Receita de Alagoas.

O modelo de desenvolvimento de Alagoas fortaleceu o latifúndio, a concentração de renda, o dano ambiental, dano as contas públicas, pois o setor que tem toda atenção do Estado pouco contribui as receitas do Estado, seja pela renúncia fiscal, seja pela sonegação, seja pela Lei Kandir.

O primeiro momento de aceleração do processo de endividamento foi o processo de endividamento externo durante o Regime Militar e suas taxas flutuantes e a submissão da política monetária estadunidense. O segundo acelerador vem com o Plano Real desde de 1994 e sua crescente dependência do capital de curto prazo através da elevação da taxa de juros. Na passagem da fase anterior para a introdução do Plano Real tivemos a conversão das dívidas externas dos estados para dívida interna, como parte das exigências do Plano Brady. O terceiro acelerador veio com a conversão da dívida alagoana em dívida federal pela Lei 9496/97.

O processo dominação financeira constatado em Alagoas pode ser observado nas demais unidades federativas como na maioria dos estados nacionais. Trata-se de um fenômeno que está associado a passagem do capitalismo para a sua fase imperialista e que se aprofundou com o acirramento das contradições capitalistas e do aprofundamento da crise capitalista. Tal fato, tem encurtado cada vez as possibilidades das politicas sociais dentro do Estado capitalista, tendo em vista que o pagamento do serviço da dívida pública se converteu num mecanismo de transferência do fundo público para o sistema financeiro. Nesta direção torna-se fundamental perguntar sobre a finalidade do Estado Nacional e se as demandas dos trabalhadores podem ser atendidas dentro do limite do capitalismo ?

BIBLIOGRAFIA 
- BUKHARIN, Nikolai. La economía política del rentista. Barcelona: Laia, 1974. 
- BUKHARIN, Nikolai. O imperialismo e a economia mundial. Rio de Janeiro: Laemmert, 1969. 
- EICHENGREEN, Barry. A globalização do capital: uma história do sistema monetário internacional. São Paulo: Editora 34, 2000. 
- MARINI, Ruy Mauro. Dialética de la dependencia. México, DF: Era, 1973. 
- XAVIER, Jurandir. A industrialização subdesenvolvida: capital, classe e Estado na industrialização brasileira. João Pessoa: UFPB Editora Universitária, 1993.

Notas

|1| A política de juros altos foi a tônica da politica de estabilização nos EUA no inicio de 1980 e em seguida se desloca para América latina no inicio dos anos 1990 como fundamento da âncora cambial.

|2| Nos dois casos recebem rendimentos.

|3| Valores deflacionado em 2013.

|4| Empresa estatal que em seguida foi privatizada e passou a pertencer a BRASKEN.

|5| Ver mais em http://www.ebah.com.br/content/ABAA...

|6| A experiência de um Estado subdesenvolvido fazer empréstimos externos para apoiar a introdução de processo de industrialização já tinha sido descrito por Lênin e por Trotsky, ao tratarem da industrialização em regiões da Rússia antes da Revolução Russa, a partir de capital alemão.

|7| Pai do atual prefeito reeleito de Maceió, Ruy Palmeira do PSDB.

|8| Ver http://g1.globo.com/al/alagoas/noti...

|9| Veja video sobre a queda de Suruagy https://www.youtube.com/watch?v=OAQ...

|10| Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna, calculado pela FGV.

|11| Inicialmente era de 7,5% mas que em seguida ficou em 6,5%.

|12| Ver http://sumula-121-stf-anatocismo.zi...

|13http://www.censo2010.ibge.gov.br/ap...

|14| Ver melhor em http://www.scielo.br/pdf/tes/v11n1/...

|15| Proposto durante o Governo Dilma Roussef.

Autor

José Menezes Gomes

professor do Curso de Economia de Santana e do mestrado em serviço social da UFAL e Coordenador do Núcleo da ACD - Alagoas - CADTM Portugal

 

Fonte: José Menezes Gomes

2024

Adufal - Associação dos Docentes da Universidade Federal de Alagoas

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