30/07/2019
Atualizada: 31/07/2019 08:04:24
Reportagem publicada em: https://medium.com/n%C3%BAmero-zero/trabalhadores-das-regi%C3%B5es-mais-pobres-ser%C3%A3o-os-mais-penalizados-com-a-nova-previd%C3%AAncia-7bba2eb46789
A reforma da Previdência começa a avançar no Congresso e, à medida que cada ponto da proposta é aprovado, governo e oposição travam um embate para alertar a sociedade para os riscos e ganhos com as mudanças. O economista Cícero Péricles destaca um ponto: o debate sobre a entrada dos servidores públicos estaduais e municipais, que ficou de fora e acabou frustrando governadores e prefeitos, que gostariam de ver esse tema incluído na reforma, aliviando as finanças públicas de seus estados e prefeituras. A questão agora será tratada segundo a legislação de cada ente federado.
“Como as condições dos estados e municípios brasileiros são bem diferenciadas, teremos critérios — idade mínima e tempo de contribuição — para a aposentadoria dos servidores públicos definidos no âmbito de cada ente federativo, apresentando disparidades entre servidores das mesmas carreiras, o que deve gerar mais prejuízos para os trabalhadores das regiões mais pobres”, destaca o economista e professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Confira na entrevista abaixo.
Qual a importância da reforma da previdência para a economia e a sociedade como um todo?
A previdência é, ao lado das políticas públicas de saúde, educação e de assistência social, um dos pilares da sustentação de um quadro social que vem evoluindo desde a promulgação da Constituição de 1988. São 35 milhões de brasileiros beneficiários da Previdência. No Nordeste, são 9,5 milhões de segurados. Em Alagoas, 532 mil pessoas que recebem recursos previdenciários, tendo impactos sobre a vida de 53% da população. Para Alagoas, os recursos são expressivos, meio bilhão de reais por mês, uma renda familiar que movimenta a economia das cidades do interior e dos bairros da capital. Toda e qualquer redução desta renda afetará a vida dessa população e a economia regional e local. Pela importância social da previdência e pelo seu peso econômico, essa reforma é um tema que diz respeito, praticamente, a todos os alagoanos.
Com base no que já foi aprovado até agora da reforma da Previdência, após votações na Câmara dos Deputados, que avaliação o senhor faz? As mudanças seguem numa direção satisfatória para boa parte da população?
Num país de profundas desigualdades sociais e regionais, a previdência social é um dos instrumentos mais eficientes para a redução dessas desigualdades, transferindo recursos da parte mais desenvolvida para a mais pobre, da cidade para o campo, dos estratos mais ricos para os mais pobres. Ao eliminar a possibilidade de aposentadoria por tempo de contribuição e aumentar a idade mínima, das mulheres, e o tempo de contribuição, para os homens, o acesso a esse direito ficou ainda mais difícil para a maioria dos brasileiros, os trabalhadores pobres. Por outro lado, ao retirar parte do financiamento empresarial, a reforma dificulta ainda mais sua viabilidade enquanto previdência pública, ampliando as possibilidades de privatização deste setor.
Um dos pontos negativos é a não universalização da reforma da Previdência, com a não inclusão dos servidores municipais e estaduais nas novas regras. Como fica a situação para os governos estaduais e municipais neste novo cenário?
O debate sobre a entrada dos servidores públicos estaduais e municipais foi adiado, frustrando o conjunto dos governadores e prefeitos que gostariam de ver esse tema incluído na reforma, aliviando as finanças públicas de seus estados e prefeituras. Pelo texto aprovado, essa questão será tratada segundo a legislação de cada ente federado. Como as condições dos estados e municípios brasileiros são bem diferenciadas, teremos critérios — idade mínima e tempo de contribuição — para a aposentadoria dos servidores públicos definidos no âmbito de cada ente federativo, apresentando disparidades entre servidores das mesmas carreiras, o que deve gerar mais prejuízos para os trabalhadores das regiões mais pobres.
A retirada da capitalização da proposta é apontada como uma grande vitória do trabalhador brasileiro. O governo permitia, no texto original, que uma lei complementar instituísse um novo regime de capitalização, em que as contribuições do trabalhador vão para uma conta, que banca os benefícios no futuro. O relator, porém, retirou essa possibilidade da capitalização da reforma, atendendo aos apelos das ruas. Foi uma decisão acertada?
Graças à pressão da opinião pública e ao esforço de negociação no Parlamento, a radical proposta original, apresentada em fevereiro, foi muito alterada. A peça central, que seria a capitalização, foi retirada; os trabalhadores rurais foram excluídos da reforma, mantendo o direito anterior; o Benefício de Prestação Continuada (BPC) foi mantido. Esses eram pontos centrais da proposta original do governo que, se aprovados, penalizariam os segmentos mais pobres da população e as regiões menos desenvolvidas, como o Nordeste.
“A peça central, que seria a capitalização, foi retirada; os trabalhadores rurais foram excluídos da reforma, mantendo o direito anterior; o Benefício de Prestação Continuada (BPC) foi mantido. Esses eram pontos centrais da proposta original do governo que, se aprovados, penalizariam os segmentos mais pobres da população e as regiões menos desenvolvidas, como o Nordeste”.
A proposta aprovada na Câmara reduz a previsão de economia para os cofres públicos com a reforma para R$ 990 bilhões em 10 anos, segundo cálculos do secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho. O projeto enviado pelo governo ao Legislativo previa, inicialmente, uma economia de R$ 1,236 trilhão em 10 anos. O senhor está otimista quanto a essas projeções do governo?
Esses cálculos são sempre uma projeção, como sempre acontece neste tipo de situação. No começo do debate, foi anunciado que seria uma economia de R$ 1,2 trilhão em dez anos e, agora, segundo a Instituição Fiscal do Senado, em torno de R$ 740 milhões, bem distantes da inicial. Na aprovação da Emenda do Teto de Gastos, em 2016, que limitou os gastos públicos, se divulgou muito que ela criaria condições para mais investimentos privados e daria um impulso ao crescimento à economia, e isso não ocorreu. A reforma trabalhista, que cortou muitos direitos, também prometia a criação de milhões de empregos, o que não vem acontecendo. Com a precarização do mercado de trabalho, com o aumento do desemprego e da economia informal, a tendência é a queda de arrecadação da previdência.
O governo também quer mudar o regime de aposentadoria das Forças Armadas, mas isso está sendo tratado em um projeto de lei separado — ou seja, a aprovação dessa PEC não muda nada para eles. A proposta do governo para os militares é mais branda que para o resto da população. Ela prevê que o tempo mínimo de serviço para ingressar na reserva passará de 30 anos para 35 anos, mas não estabelece idade mínima. É justo com o restante da população fazer esse recorte para uma determinada categoria?
Uma das características foi o tratamento diferenciado para algumas categorias e para alguns segmentos econômicos. O agronegócio conseguiu isenção de impostos nas exportações, as grandes empresas devedoras foram excluídas da reforma e não serão cobradas; e empresas do mercado financeiro conseguiram ficar de fora do aumento de contribuição. Nestes seis meses de debate e votações, algumas categorias se mobilizaram e evitaram maiores perdas, como os trabalhadores rurais, professores, agentes penitenciários e servidores federais. Pela força política que têm, na atual conjuntura, os militares ficaram de fora da reforma, na medida em que a situação futura de suas aposentadorias está sendo tratada em um projeto de lei separado.
Existem alternativas para o financiamento da previdência sem ser cortes de gastos?
Sim. Como a previdência faz parte da seguridade social, junto com a saúde e a assistência social, os recursos arrecadados garantem a seguridade no Brasil, não gera déficit. O problema é o desvio da arrecadação dos impostos da seguridade, como o Cofins e CSLL, para outros fins, que, anualmente, chegam a casa dos 120 bilhões de reais. Outras fontes de custeio existem para financiá-la, como o fim da política de desonerações fiscais, que chegam a 370 bilhões de reais por ano; a cobrança das dívidas previdenciárias recuperáveis, de grandes empresas, que alcançam 190 bilhões. Como a previdência não encontrará solução com esta reforma, esses temas, fatalmente, voltarão a ser discutidos e debatidos no governo e no Congresso Nacional.