27/03/2020
Atualizada: 27/03/2020 13:06:37


Como pesquisadora da educação das crianças e, também, como mãe, a primeira imagem e pensamento que me veio, frente à pandemia, foi o conjunto de fotografias “Crianças”, parte da coleção “Êxodos”, de Sebastião Salgado. Nessa obra, Salgado registra a vida e o cotidiano de populações que, em função de guerras, fome, falta de trabalho e de terra são obrigadas a emigrarem. O fotógrafo revelou - com suas imagens, mas também por meio de suas declarações – que, embora as crianças fossem as vítimas fisicamente mais frágeis do movimento migratório, paradoxalmente, elas brincam, sorriem e mantêm entusiasmo e curiosidade diante de diversas situações.

Assim, deduzo e acredito que não apenas as crianças se interessam pelos acontecimentos do seu entorno como também são fortes e capazes para compreendê-los. No nosso contato com as crianças no dia-a-dia das escolas públicas de Educação Infantil, observamos que as crianças se atentam aos problemas e situações complicadas da vida, mesmo as mais dolorosas e buscam respostas, criam hipóteses e teorias explicativas sobre os acontecimentos. Às vezes, fazem isso quando olham para um desenho ou obra de arte; quando ouvem uma música ou história, quando brincam...

Então, quando me perguntam sobre o que é mais importante nesse momento em relação às crianças, eu digo que é criar e aproveitar as oportunidades existentes - uma conversa entre os adultos que as crianças ouvem e questionam, uma notícia na TV ou no rádio, a conversa entre as próprias crianças, um desenho, a brincadeira - para que elas possam falar sobre o que pensam e sentem sobre a pandemia.

O papel do adulto nessa situação é oferecer escuta para as crianças e trazer informações para que elas possam ampliar seu conhecimento sobre o vivido. Quando nos referimos a ‘escutar às crianças’ referimos a ouvir o que elas dizem, mas também observar outras expressões (gestos, desenhos, emoções, seus sonhos ou pesadelos), pois nem sempre aquilo que ela sente e pensa é expressado pela fala, mas de modo difuso em sua forma de agir e nas suas relações. Se elas expressam de diferentes formas, diversas formas nós temos de apresentar a situação, através de histórias, vídeos, desenhos, enfatizando que ela está protegida e que muitos adultos estão trabalhando para a situação melhorar.

É possível considerar que, como os adultos, as crianças estão vivendo um período de perdas (perda do relacionamento com os amigos da escola, com a professora, com os outros familiares, nos passeios).  As perdas serão necessárias por um tempo, não apenas para nos proteger, mas para proteger outras pessoas mais frágeis ao vírus. Elas são temporárias e chegará o momento em que todos irão retomar à rotina de antes. Enquanto isso, as famílias, cada uma ao seu jeito, organizam a rotina da forma que for mais apropriada, respeitando os espaços e tempos de crianças e adultos.

No tempo das crianças, é importante que exista o momento de brincar. O conhecimento que temos hoje, permite-nos dizer que brincar é fundamental para as crianças lerem o mundo. A realidade afeta a criança que expõe isso na brincadeira, interpretando uma relação social, um personagem carregado de emoção ou uma situação que observou na realidade.

As crianças precisam ter seus espaços para brincar, criar, bagunçar dentro de casa ou no quintal. Depois, tudo poder ser limpo e organizado por crianças e adultos conjuntamente. Com essa rotina de brincar e arrumar, as crianças vão ganhando maior autonomia em relação a arrumação dos espaços e logo poderão fazer isso com menos ajuda.

Frequentemente quando nos lembramos da nossa infância, as brincadeiras surgem com muita nitidez! Enfatizo a questão do brincar, não só por ser uma linguagem da criança, mas, também, por ser a forma de viverem suas infâncias. Por isso, a brincadeira é concebida mundialmente como um direito da criança, sendo responsabilidade de todos os adultos cuidar para que elas possam brincar, inclusive em situações adversas.

Ao falar em direito das crianças, elas têm direito a proteção absoluta. Isso significa dizer que devem estar em primeiro lugar nas nossas ações individuais e nas dos governantes e políticos. Como alerta, o “Guia para a Comunidade Escolar e Profissionais da Educação e da Proteção da Criança e do Adolescente”, elaborado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, as crianças devem ser sempre a primeira preocupação!

A medida de fechar as escolas é uma medida de saúde pública para diminuir o contágio e torná-lo mais lento, mas também, é uma medida protetiva para as crianças e adolescentes: mesmo o vírus tendo apresentado menor letalidade nesta faixa de idade, não podemos expô-los ao risco. Por isso, o Presidente Jair Bolsonaro, em seu pronunciamento do dia 24 de março, cometeu um atentado aos direitos das crianças e dos adolescentes - dentre outros - ao defender a reabertura das escolas.

Pode-se questionar sobre o direito à educação nesse momento. Como agir? A tomada de decisão (tanto particular como coletiva) relativas à educação, nesse momento, devem estar condicionadas ao direito de proteção da saúde das crianças e dos adolescentes.

Nesse sentido, o “Guia para a Comunidade Escolar e Profissionais da Educação e da Proteção da Criança e do Adolescente” pode fundamentar ações individuais e de governantes sobre o direito à educação.

O Guia sugere que, nesse período, o mais interessante é, quando possível, manter contato virtual com os professores e pedir orientações em relação a possíveis atividades a serem desenvolvidas em casa; momentos destinados à leitura para os maiores e contação de histórias para os menores contribuem para não acontecer um distanciamento ainda maior das crianças e adolescentes com as rotinas ligadas ao aprender.

Uma questão que as famílias e aqueles que atuam na defesa dos direitos das crianças precisam estar atentos é que muitas escolas privadas e sistemas de ensino tem aderido à educação a distância, argumentando ser a melhor forma de garantir esse direito frente à necessidade do isolamento social. Entretanto, vale lembrar, como expõe o “Guia para a Comunidade Escolar e Profissionais da Educação e da Proteção da Criança e do Adolescente”, que ensino a distância utiliza instrumentos diferenciados do ensino presencial e muitos profissionais da educação, estudantes e suas famílias não tem familiaridade com tais instrumentos, acarretando prejuízos para a aprendizagem. 

Preocupa, também, o fato de que muitas empresas que oferecem gratuitamente suas ferramentas de EAD, exploram os dados de seus usuários para ofertar produtos e serviços, comprometendo o direito à privacidade e da proteção de dados pessoais dos adultos, mas também das crianças e dos adolescentes (CAMPANHA NACIONAL PELO DIREITO À EDUCAÇÃO, 2020).

Uma questão para gestores da educação levarem em conta e os familiares conhecerem para devida cobrança é que as crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade são os mais prejudicados em situação de EAD. Dentre outros motivos, a falta de acesso à equipamentos e acesso à internet prejudica a aprendizagem de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. Segundo dados da pesquisa a TIC Domicílios 2018, do Cetic (Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação), no Brasil, 58% dos domicílios não têm acesso à computador e 33%, não tem acesso à rede.

Muitas situações de interrupção de aulas e de períodos letivos, por certo tempo, já aconteceram no Brasil e no mundo - e o que mais responde ao direito de todas as crianças e adolescentes à educação é pensar em um calendário específico para essa situação.

Por fim, indico abaixo alguns endereços eletrônicos que trazem informações e conteúdos interessantes paras as famílias, nesse momento em que as crianças não estão indo para a escola.

https://www.unicef.org/brazil/coronavirus-o-que-voce-precisa-saber

https://www.unicef.org/brazil/como-falar-com-criancas-sobre-coronavirus

https://lunetas.com.br/responsabilidade-coletiva-e-coronavirus/

https://media.campanha.org.br/acervo/documentos/COVID-19_Guia1_FINAL.pdf

http://objetoseducacionais2.mec.gov.br/

Fonte: Profa. Dra. Suzana Marcolino - Centro de Educação da UFAL

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